A questão agraria no Brasil deve ser analisada em
todo seu contexto histórico à luz da pressão dos trabalhadores rurais e
demandas sociais, bem como a obstaculização político-jurídica engendrada pelo
Estado em razão de ter dirigentes de visão conservadora e dissociada da
realidade social. Embora o assunto possa remeter à problemática da reforma
agrária é preciso ter a compreensão de que esta é apenas um componente que
circunda toda complexidade relacionada à questão agraria. A reforma agrária
está no contexto das políticas públicas, deve ser vista como resultante das conquistas dos trabalhadores rurais nas lutas pelo acesso à terra como meio de produção e fonte geradora de renda e da dignidade humana.
Para que se tenha uma compreensão mais acadêmica
da questão agrária é preciso se ater aos problemas sociais relacionados ao uso,
a posse e a propriedade da terra, os quais tem origem no grau de concentração
fundiária determinada pela força do capital como instrumento de mediação nas
relações universais da produção, porquanto impõe a dominação sobre todas as formas de reprodução no contexto da realidade materialista intrínseca à vida humana.
A política de reforma agrária no Brasil
concretizou-se a partir do Estatuto da Terra, cujas ações foram norteadas pela
lei n.º 4504/64. Porém, os maiores avanços foram consagrados na Constituição Federal de 1988 e tiveram a materialização de forma significante entre os anos de 2003 e 2010, conforme discorre Frednan Bezerra dos Santos (2016, p. 13).
A política fundiária no Brasil contemporâneo
ainda cultiva os pressupostos da dominação e concentração do poder em nome do
capitalista que se confunde na mesma pessoa do proprietário de terras. É uma
cultura arraigada nas origens da escravidão que apesar da transição para o
trabalho livre, predomina o pensamento da dominação pelo poder do capital sobre
os demais valores da sociedade.
A política agraria ainda é vista com certo
preconceito. A democratização da terra ainda tem um longo caminho para atingir
os objetivos de uma política de distribuição de terra justa e economicamente sustentável. Na década passada houve avanços significativos a partir de ações do governo federal principalmente na fomentação de políticas públicas em prol da Agricultura Familiar. Entretanto, essas ações têm sofrido descontinuidades a cada mudança de governo por não ser política de Estado em que se tenham diretrizes mandamentais a partir de um arcabouço econômico-jurídico, com fim definitivo de atender às políticas de produção da terra como fonte de renda e geração de bens que busquem o crescimento econômico reduzindo as desigualdades sociais e regionais.
A REFORMA AGRÁRIA
A Lei
4.504/64 que estabelece as diretrizes do Estatuto da Terra, aponta a reforma
agraria como sendo “o conjunto de medidas que visam a melhor distribuição da terra mediante modificações no regime de sua posse e uso, de modo a atender à justiça social e ao aumento de produtividade”, discorre o artigo.
Nesse sentido, o INCRA (2011), aclama que,
“com a reforma agrária, buscou-se um novo modelo de assentamento, baseado na viabilidade econômica, na sustentabilidade ambiental e no desenvolvimento territorial; a adoção de instrumentos fundiários adequados a cada público e a cada região; a adequação institucional e normativa a uma intervenção rápida e eficientes dos instrumentos agrários; o forte envolvimento dos governos estaduais e prefeituras; a garantia do reassentamento dos ocupantes não índios de áreas indígenas; a promoção da igualdade de gênero na reforma agraria, além do direito à educação, à cultura e à seguridade social nas áreas reformadas”.
É importante ressaltar que a CF/88 “direcionou um capítulo específico para a Política Agrícola e Fundiária e da Reforma Agrária tratados pelos artigos 184 a 191”, aponta o artigo em apreço.
POSSIBILIDADE DE DESAPROPRIAÇÃO-SANÇÃO DE PROPRIEDADE RURAL PRODUTIVA
Essa é uma questão controvertida, pois, contraria a redação do art. 185 da CF/88, além de normas do STF, assim como pareceres jurídicos doutrinários quanto a possibilidade de desapropriação de propriedade produtiva que não respeite os pressupostos da produtividade, da legislação trabalhista e do meio ambiente. Aponta o artigo.
A possibilidade de desapropriação para fins de
reforma agrária está prevista no art. 184 da CF/88, o qual estabelece as condições objetivas para os procedimentos desapropriatórios quando confirmarem presentes os seguintes elementos da função social elencados nos incisos II, III e IV do art. 186 da CF/88, quais sejam: “utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente (inciso II), observância das disposições que regulam as relações de trabalho (inciso III) e exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores (inciso IV).
Sobre a
antinomia do art. 184 e 185 da CF/88, a qual, no entendimento de Vieira (2011), aponta que esta “configura-se quando o art. 184 determina a desapropriação do imóvel que não esteja cumprindo a sua função social, enquanto o art. 185 dispõe ser insuscetível de desapropriação da propriedade produtiva”.
Como se observa, a função social da propriedade,
compreendida esta na perspectiva da produtividade do cumprimento das normas
trabalhistas e respeito ao meio ambiente, prevalece sobre o aspecto da
legalidade determinado pelos mandamentos constitucionais e legislação
infraconstitucional. Isso demonstra o caráter interpretativo da racionalidade
socioambiental ao considerar que meio ambiente e produção não se desassociam,
pelo contrário, estão intimamente interligados no sentido de se obter o
bem-estar sustentável em razão do cumprimento da função social pela
propriedade.
Depreende-se,
portanto, de que é plenamente passível a desapropriação-sanção da propriedade
rural que viola os pressupostos ambientais ou trabalhistas ainda que seja
economicamente produtiva.
A desapropriação-sanção tem sua previsão no
artigo 182, § 4.º, III quando se tratar de desapropriação urbana e no art. 184
para a desapropriação rural. Esta última, regulamentada pelo Estatuto das cidades.
A modalidade desapropriação-sanção rural recai
sobre imóveis rurais que não cumprem a função social, o que caracteriza pressuposto
para a reforma agrária. O pagamento pela desapropriação-sanção é através de títulos da dívida agraria cujo prazo de resgate é de vinte anos, nos termos do art. 184 da Constituição Federal de 1988, in verbis:
Art. 184. Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agraria, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com clausula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei.
De outra forma, o art. 185 da CF/88 destaca que nem todas as propriedades são desapropriáveis, vejamos:
Art. 185. São insuscetíveis de desapropriação para fins de reforma agrária:
I – a pequena e média propriedade rural, assim definida em lei, desde que seu proprietário não possua outra;
II – a propriedade produtiva.
Parágrafo único. A lei garantirá tratamento especial à propriedade produtiva e fixará normas para o cumprimento dos requisitos relativos à sua função social.
É importante destacar que a desapropriação-sanção
está fundada em pressupostos que justificam a intervenção do Estado, de modo a buscar atender a função social. Para tanto existem a desapropriação sanção por cultiva psicotrópicas disciplinada pela Lei 8.257/1991; desapropriação por motivo de utilidade pública regulada pelo Decreto-Lei 3365/41.
FILME MORTE E VIDA SEVERINA
O filme
registra a história do retirante que, como tantos outros nordestinos, foge do
sertão deixando para trás o sofrimento e a miséria com destino ao litoral na
esperança de vida melhor. Essa esperança se torna mais forte ao caminhar pelas
margens do rio Capibaribe na cidade do Recife.
O filme retrata ainda a vida do nordestino em todo seu contexto mostrando as discrepantes divisões de classes em que uma minoria detentora de privilégios sucumbe a maioria que sobrevive as agruras decorrentes da triste realidade do cotidiano, isso no sertão como também no litoral ou na cidade.
A terra árida, a falta de chuva, a omissão do Estado, as intempéries e as adversidades em que é submetido o nordestino, em especial o sertanejo, o torna exemplo de resistência. A luta pela sobrevivência passa, sobretudo, pela conquista a um pedaço de terra onde possa cultivar o necessário para a subsistência da família com mínimo de dignidade quando a seca lhe permite.
Porém, os latifúndios avançam de maneira avassaladora engolindo os pequenos lavradores, tornando-os neo-escravos da própria terra onde nasceram em razão da usura capitalista, ainda que à terra seja de pouca ou nenhuma produtividade.
O filme mostra a naturalidade em que o sertanejo convive com a morte. A morte faz parte do cotidiano do sertanejo face às condições de vida que está submetido. A expectativa de vida gira em torno dos 30 anos. Mas, mesmo diante de toda dificuldade para sobreviver, o sertanejo não esmorece, busca viver o seu dia a dia com fé e perseverança. Cultivando suas crenças religiosas num ciclo de solidariedade e cumplicidade nas relações interpessoais.
FUNERAL DE UM LAVRADOR
Esse fragmento do filme mostra uma gente sofrida que convive com a morte no seu dia a dia. O sertanejo deposita na morte a única esperança acreditando que no “outro lado da vida” possa colher os frutos de seu trabalho.
Porém, apesar de tudo isso, é resistente às dificuldades em razão da ausência de proteção do Estado para compensar o sofrimento pela sobrevivência; O sertanejo não é apenas vítima da seca, mas também da falta de políticas públicas que promovam assistência no sentido da convivência harmoniosa com a seca. Bem como, de política de reforma agrária que tem por fim a democratização da terra, fundada no princípio da função social da propriedade e dignidade humana.
Miguel bacharelando em Direito pela UCSAL, 2018.2
Referência:
Reforma Agrária no Brasil. Disponível em: file:///F:/Pen%20Drive/UCSAL/2019.1/Direito%20Agrário/FrednanBezerraSantos.pdf. Acesso em 02/06/2019.
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Belo trabalho
Boa