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A força da Líder solitária

No início era uma família de leões constituída pela Leoa-mãe, pelo Leão-pai e pelos três filhos, dois leõezinhos e uma leoazinha que viviam em plena harmonia no seu território de domínio. Havia uma clareira por onde passava o riacho que servia de bebedouro para as várias espécies de animais. Nessa clareira os dominadores faziam campana para abater suas prezas.

Não obstante, aparece um bando invasor formado por várias leoas e dois leões, respeitáveis pelas suas jubas imponentes, que faziam a proteção do bando. As leoas tinham sua líder. Eles chegaram no território para expulsar os donos - na selva o espaço para manter a sobrevivência é feito por domínio de área, aqueles que detém maior poder tornam-se os novos donos de antigos domínios.

A chegada do bando invasor provocou uma luta sangrenta, porém inevitável. A família que dominava a área era menor e não oferecia tanta resistência para o bando invasor, este bem mais numeroso. Mas a defesa do território era uma questão de sobrevivência daquela família de leões.

Enquanto os filhos estavam escondidos em local seguro, seus pais, a Leoa-mãe e o Leão-pai, lutavam bravamente contra os invasores. Depois de horas de luta, o  bando invasor saiu vencedor, como era de se esperar, deixando como saldo o Leão-pai gravemente ferido, a Leoa-mãe atordoada por ter perdido sua área de domínio, e a líder do bando invasor com o olho direito vazado no combate. Ficou definitivamente cega.

Quando o invasor ganha a luta para ter o domínio territorial, não resta alternativa para o vencido senão juntar os trapos e "deitar o cabelo". Foi exatamente isso que a Leoa-mãe fez, pegou seus três filhos, deixando o Leão-pai para trás, pois ali jaz seu destino.

Na fuga intempestiva, "Majhtawn" - esse é o codinome da Leoa-mãe - com seus três filhos foi perseguida impiedosamente. Enfrentou uma tempestade, além de um incêndio na floresta causado pelos raios que riscavam o céu escuro. A floresta densa tinha uma vegetação rasteira tipo capinzal que criava as condições propícias para a propagação do fogo.

"Majhtawn" corria desesperadamente para se livrar da fúria de seus algozes, ao mesmo tempo em que tinha de livrar seus filhos das chamas avassaladoras do fogo; de vez em quando, o leãozinho mais fraco ficava para trás, o que tornava a fuga menos rápido, pois "Majhtawn" precisava retornar para apanhar o filhote que não conseguia acompanhar. A essa altura o Leão-pai encontrava-se agonizando, dando os últimos suspiros que o levaria ao banquete das hienas carniceiras que estavam de olho no moribundo.

O bando invasor, na liderança de "Olho de Prata" - esse é o codinome da líder, por ter perdido um olho na luta - seguia na perseguição a "Majhtawn", talvez, não com o instinto assassino, mas o  de o bando se livrar de "Majhtawn".

Após horas de perseguição, "Majhtawn" se depara às margens do Rio de Águas Escuras, exausta, descansa um pouco e aproveita para fazer um carinho nos filhos; olha para trás e vê ao longe que o bando de "Olho de Prata" continuava no seu encalço. Não teve dúvida de que seus algozes não iriam desistir da perseguição. Sabia que sua única chance de sobrevivência seria do outro lado do Rio de Águas Escuras, mas aí surge o primeiro desafio, como enfrentar um rio povoado de crocodilos, além de não ter intimidade com águas profundas? O risco de serem devorados pelos crocodilos era potencialmente grande.

Quando o desafio é grande, a vontade de vencer deve ser maior que o medo de enfrentar.  Diante da iminência de outro ataque de "Olho de Prata", cujas chances de sobreviver seriam praticamente impossíveis, e arriscar a sobrevivência do outro lado do Rio de Águas Escuras, "Majhtawn" não teve dúvidas, lançou-se à sorte demonstrando para os filhos que aquela seria a única opção. Seguindo os passos da mãe, o Leãozinho mais forte se jogou na água, em seguida foi a vez de sua irmã, a Leoazinha, ficando para trás o Leãozinho mais frágil, este ficou com medo de entrar no rio, mas com aproximação de "Olho de Prata", foi empurrado instintivamente para a água, só que em situação desfavorável, pois sua mãe e os seus irmãos já se encontravam na outra margem.

Logo que o Leãozinho entrou na água os crocodilos perceberam que havia uma preza desprotegida e não titubearam em atacá-lo. Da outra margem do rio "Majhtawn" assistia ao fim trágico do seu filho sendo devorado pelos crocodilos, aquela cena registrava a perda de parte de sua vida, enquanto, ao mesmo tempo, observava "Olho de Prata" na outra margem do rio sentindo-se vigorosa pela conquista do território. 

Apesar da perda de um filho, "Majhtawn" pode, enfim, sentir-se aliviada e segura para dar proteção aos outros dois filhos sobreviventes.  A nova área tornar-se-ia um lugar seguro, haja vista não haver sinais de dominadores que pudessem atrapalhar seus planos. Era uma área relativamente pequena para domínio de leões, mas promissora, pois, a partir daquele momento passaria a ter o domínio do seu próprio território.

Após as devidas observações e reconhecimento da área, "Majhtawn" buscou o merecido descanso, procurando recompor suas energias para recomeçar as buscas por alimento da família. Mas como fazer isso, se no primeiro momento não parecia haver nada de interessante para caçar? Porém "Majhtawn" com seu faro aguçado e visão afinada, percebe logo que ao longe havia algo interessante: uma manada de búfalos pastava nas pradarias próximas às margens do Rio de Águas Escuras. Nesse instante "Majhtawn" sentiu que a refeição da família estava garantida, porém antes teria de proteger os filhos da fúria dos búfalos. Búfalos detestam leões, o que é lógico, todo búfalo sabe que qualquer vacilo em território de leões pode virar bife desses caçadores vorazes.

As energias armazenadas já estavam no fim e "Majhtawn" sentia que precisava caçar o mais urgente possível para manter a família viva. Mas os filhos, que estavam muito novos, passavam o tempo brincando e, muitas vezes, se expondo demasiadamente ao perigo, o que deixava "Majhtawn" insegura. Abater um búfalo pequeno ou um mais vulnerável seria a melhor estratégia, "Majhtawn" tinha consciência de suas limitações, não havia quem lhe auxiliasse numa empreitada mais ousada. Ademais, búfalos são prezas de grande porte, defendem em grupo, e podem levar o predador a morte.

"Majhtawn" começou a seguir o rebanho observando seu comportamento, fim estabelecer estratégias para dar o bote certo, na preza certa, no momento certo. "Majhtawn" sabia que estava sozinha nessa luta, portanto tornava muito mais difícil abater um búfalo. Na primeira tentativa, avançou sobre um filhote chegando ao ponto de derrubá-lo ao chão, mas sua mãe percebeu o ataque de imediato e voltou com toda fúria contra "Majhtawn". Todas as tentativas nesse dia foram infrutíferas. "Majhtawn", então, desiste da empreitada, adiando a necessidade de se alimentar.

Os búfalos pressentem quando o inimigo os persegue diuturnamente. "Majhtawn" seguia o rebanho na confiança de que em algum momento sua empreitada seria bem-sucedida. Mas, como a ambição não tem limites, os búfalos que compartilhavam a mesma área de domínio de "Majhtawn", despertaram a atenção do bando de "Olho de Prata" na outra margem do Rio de Águas Escuras. "Olho de Prata", então, movida pelo desejo ambicioso, juntou seu bando e atravessou o Rio de Águas Escuras povoado de crocodilos para caçar na outra margem, cujo domínio é de "Majhtawn", provocando uma nova invasão de território.

"Majhtawn" percebe o perigo, principalmente para seus filhos, e sente-se sua própria sobrevivência ameaçada. Diante da iminência do perigo, "Majhtawn" parte para cima do bando de "Olho de Prata" e luta ferozmente na defesa de seu território. "Olho de Prata", uma líder experiente, conhecia o potencial da adversária, pois, havia sido vítima dela ao perder um olho na luta sangrenta, quando da invasão que expulsou "Majhtawn" do seu território. Enquanto "Majhtawn" lutava incansavelmente, seus filhos observavam de longe, de onde se encontravam em um esconderijo para não serem assassinados pelo bando de "Olho de Prata". Depois de um embate duro "Olho de Prata" deu-se por vencida, reconhecendo o poder de liderança de "Majhtawn", retirou-se em fuga com suas comparsas.

De repente os búfalos se aglomeram no meio do pantanal, "Majhtawn"percebe que a melhor estratégia para abater um búfalo é na água, mas para tanto era preciso criar um pânico no rebanho, com isso os mais fracos ficariam vulneráveis a um ataque fulminante. A essa altura "Majhtawn"já se sentia confiante em caçar dentro d'água, a vida tinha lhe ensinado a se desvencilhar das armadilhas que os rios escondem; já tinha aprendido, inclusive, as manhas para se livrar de crocodilos assassinos.

Experiências são conhecimentos consolidados ao longo do tempo e servem como escudo para enfrentar situações adversas. No primeiro ataque na água, por pouco um búfalo de grande porte não foi abatido, salvou-se devido ajuda do grupo. "Majhtawn" não desiste e faz uma incursão proposital  para criar um pânico, o que deixou todo o rebanho desorientado, quando um búfalo de pequeno porte ficou vulnerável ao ataque, então, "Majhtawn" deu o bote mortal cravando seus dentes afiados na traqueia do pequeno desprotegido.

No entorno das áreas dominada por leões sempre ficam os carniceiros oportunistas aguardando o momento para roubarem o objeto da caça. As hienas são carnívoras que vivem, geralmente, de  roubar a caça de outros caçadores. Só houve tempo de "Majhtawn" dar as primeiras dentadas na carne ainda quente para que as hienas aparecessem e lhe tomassem a preza que havia abatido depois de tantos sacrifícios. Não teve luta certa, as carniceiras escorraçaram "Majhtawn" que se retirou desolada por não poder alimentar os filhos, mas aliviada por ter comido alguma coisa o que garantia o leite dos leõezinhos.

Porém os problemas de "Majhtawn" não acabaram aí,  pelo contrário, acabava de nascer um enorme problema, o risco de as hienas atacarem seus filhos. Leão não é presa de hienas, mas num cenário de comida escassa termina sendo. As hienas sabiam que "Majhtawn" teria de sair para caçar e iria deixar seus filhos à própria sorte. Numa saída para tentar nova investida contra os búfalos,"Majhtawn"deixou os filhos num esconderijo para livra dos ataques das hienas;  a necessidade de alimentar era tão imperiosa que não sair para caçar seria decretar a morte da família em pouco tempo. Ocorre que os búfalos pressentiram a presença dos leõezinhos entocados num arbusto e começaram atacá-los, porém o pior ficou por conta do ataque das hienas que por pouco não devoraram os filhos de "Majhtawn", devido seu instinto materno dar o sinal de alerta, o que fez ela desistir da caçada para salvar os filhos das garras das hienas. Porém não evitou que a leoazinha tivesse a coluna fraturada pela mordida de uma hiena, o que lhe causou uma sequela irreversível, impossibilitando-a de seguir adiante com sua mãe na luta pela sobrevivência na selva.

No meio do turbilhão de ataques ferozes, "Majhtawn" conseguiu livrar-se das hienas, mas não encontrou o filho, provavelmente tinha sido morto no ataque dos búfalos, pois, pressentiu o sangue que havia no chifre de um deles. "Majhtawn" sentiu o mundo desabar; sentou às margens do Rio de Águas Escuras, emitiu um olhar triste, fechou os olhos como se estivesse se redimindo do próprio destino, em seguida, olhou para a sua filha que pedia socorro rastejando com a coluna quebrada, o que lhe impedia de continuar na sua companhia; seu outro filho teria sido morto por um búfalo raivoso, então, sentiu que estava sozinha e precisava recomeçar tudo de novo, entrou no rio de coração partido para continuar a caminhada, deixando para trás a filha entre a vida e a morte. A vida selvagem tem sua seleção natural, sobrevivem os mais fortes, enquanto os mais fracos se transformam para dar continuidade a cadeia alimentar.

Os búfalos se encontravam pastando na outra margem do rio. "Majhtawn" chegando aí, ainda abalada pelas perdas e traumas que a vida lhe impôs, não deixou se abater e partiu para mais um ataque a manada, buscava o alimento que lhe manteria viva. Suas energias estavam chegando no limite. Muito embora o ataque tenha sido frustrado, não fez com que "Majhtawn" desistisse, precisava sobreviver para dar  continuidade a sua linhagem genética. De repente "Majhtawn" estava junto do bando de "Olho de Prata" lutando pelos mesmos propósitos. "Olho de Prata" sabedora da experiência e liderança de "Majhtawn" uniu-se a ela para ter sucesso na caçada.

"Majhtawn" fez uma investida a um búfalo desgarrado do rebanho com a cooperação do bando de "Olho de Prata". Esta sabia que "Majhtawn" era uma exímia caçadora e possuía um poder de liderança incontestável. O bando de "Olho de Prata" associou-se à "Majhtawn" e começaram a fazer as investidas para abater búfalos em parceria; em uma investida bem-sucedida, em que foi abatido um búfalo de grande porte, no momento em que o bando se preparava para banquetear, "Majhtawn" foi acometida de um sentimento maternal, quando seu instinto detectou um chamado familiar. Ao olhar em direção viu um leãozinho que miava gritando por socorro. "Majhtawn" correu ao encontro e a alegria foi imensa ao perceber que era o seu filho que havia desaparecido e já o tinha dado como morto. A felicidade era visível nos olhos de "Majhtawn". Nesse momento "Majhtawn" instintivamente voltou para "Olho de Prata" pedindo para que seu filho fosse aceite no grupo, "Olho de Prata", num gesto receptivo, lambeu o rosto de "Majhtawn" e esta retribuiu com o mesmo gesto.     
A partir de então "Majhtawn" foi integrada ao grupo com seu filho, tornando-se mais forte e mais preparados para enfrentar os desafios da selva.

A paz sempre vence a guerra. Quando a paz se estabelece o inimigo desaparece, os oponentes se unem, tornando-se mais fortes, ampliando os domínios para criar oportunidades, onde cada um usufruirá do resultado do esforço desencadeado em conjunto na busca da sobrevivência de todos.


JMiguel 

Texto adaptado de ftos reais do filme Leões de Okavango (filme da National Geographic). Disponível em:https://www.google.com/search?q=Le%C3%B5es+de+Okavango&oq=Le%C3%B5es+de+Okavango&aqs=chrome..69i57j46j0l5j69i60.7833j0j9&sourceid=chrome&ie=UTF-8. Acessado em 28/04/2020.
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