.
DESTAQUE:
print this page
Última Postagem:

2020 um ano para ficar na história


Tragédias que causam mortes também inspiram à reflexão para compreender a vida numa dimensão mais profunda.

 

No começo, quem poderia imaginar que 2020 passará para a história do século XXI como o ano que irá deixar marcas indeléveis e dividir o tempo em "antes" e "depois" do coronavírus?

 

Essa é uma das grandes tragédias que já pegaram a humanidade de maneira surpreendente e indefensável, e não se tem certeza de como tudo isso terminará.

 

Será mais um relevo cheio de percalços no longo caminho rumo a um estágio mais evoluído da humanidade? Ou é simplesmente a conta a ser paga pela consequência da prepotência humana que ameaça a vida planetária?

 

Como não há resposta objetiva para estes questionamentos, restam especulações de alguns, enquanto outros ficam com suas próprias convicções.

 

Seja qual for o destino, o coronavirus já revelou as contradições de um sistema econômico que ainda não proporcionou o bem-estar social capaz de viabilizar o equilíbrio das relações humanas. Pois, enquanto numa ponta concentram a acumulação de bens e a riqueza, na outra a desigualdade e a pobreza aumentam exponencialmente, gerando desorganização e violências.

 

Como equalizar a balança da PAZ e da JUSTIÇA SOCIAL se o pêndulo não encontra o ponto de equilíbrio? É complicado. Ademais, essa estrutura excludente aniquila os esforços da pacificação social e fulmina direitos fundamentais da pessoa humana.

 

No Brasil, a pandemia escancarou a pobreza até então invisível por muitos brasileiros. Apesar das mazelas já conhecidas, ficou evidente uma pobreza maior do que se imaginava.

 

Porém, a pandemia que revelou a pobreza oculta, trouxe medo, incerteza e insegurança; também aproximou famílias, criou e renovou laços afetivos, aumentou a rede de solidariedade e proteção social.

 

A superação de desafios, que se potencializa nas adversidades, torna as pessoas mais fortes e resilientes diante dos infortúnios da vida.

 

O "novo normal" que se vislumbra assentará na perspectiva de um novo caminhar, de um novo olhar, onde, se afastando do obscurantismo do "antes", possa-se (re) encontrar com o iluminismo do "depois", num descortinar de um tempo novo.

 

Por tudo isso, pode-se cogitar que tais fenômenos seguem um processo evolutivo em que se desencadeia, também, nas tragédias e no sofrimento.

 

Assim, 2020 ensina a humanidade redescobrir novos caminhos que poderão levar a uma nova ordem mundial, mesmo que esta ocorra num tempo remoto. É o que se espera.

 


0 comentários

DEMOCRACIA DOENTE

Winston Churchill, primeiro ministro britânico, em 1947, fez um discurso contundente no parlamento inglês em defesa da democracia ao afirmar que a democracia é a pior forma de governo, depois de todas as demais até então experimentadas ao longo da história.

Desde os tempos aristotélicos da antiga Grécia que a democracia vem se aperfeiçoando para se tornar o regime político que proporciona a liberdade, igualdade e fraternidade, valores inspiradores da Revolução Francesa no século XVIII.

Mas, depois de tanto tempo, ainda percebe-se que a democracia carece de aperfeiçoamento para se tornar o regime político que inspirou tantos pensadores ao longo dos séculos.

Dentro do espectro da ideologia política, a democracia deveria ser o regime em que todos elegíveis pudessem participar, em igualdade de condições, da escolha, através do voto, daqueles que irão receber o poder do povo para a governança do “bem público” por tempo determinado, transformando as propostas de governo em realidades voltadas para o interesse coletivo e o desenvolvimento social e econômico.

Porém, o que se verifica é uma democracia doente fulminada pelos interesses político-partidários, em que determinadas pessoas e/ou grupos se apoderam do capital político e econômico-financeiro para conquistar ou perpetuar interesses e privilégios de caráter privados e individuais.

O despudor no meio político é de dar náuseas, e se torna mais nauseante quando das campanhas eleitorais. Pessoas vendem o voto a qualquer custo para compradores despudorados que empurram ”goela abaixo” a grana com o fedor flatulento de cabos eleitorais inescrupulosos.

É um ciclo vicioso difícil de ser interrompido. Maus políticos, em regra, são eleitos por eleitores com pouca ou nenhuma consciência política. Esses eleitos, com raras exceções, alimentam o sistema que dá origem a novos eleitores desconscientizados ou descomprometidos com a política no sentido amplo, que por sua vez elegerão outros políticos descompromissados com os interesses da coletividade. E com isso, estabelece-se um sistema, cuja alienação é o elo que cria obstáculos para o avanço do processo político, ferindo a democracia na sua concepção original.

Somente com educação de qualidade, ampla e irrestrita, fomentada pelo Estado e com participação popular, pode-se romper esse ciclo pernicioso para o desenvolvimento social e democrático, salvando a democracia do estado de enfermidade em que se encontra.

Quando o elo será rompido, no sentido de vislumbrar uma nova realidade, é a grande interrogação.

 Aguardemos com determinação e esperança.


JMiguel

0 comentários

Eleições municipais: entenda o processo

Hoje, excepcionalmente, vou abordar um tema relacionado às eleições municipais. Estão se aproximando, portanto, é importante entender como ocorre a eleição/reeleição dos prefeitos e vereadores nos 5.570 municípios brasileiros.

As eleições municipais acontecem pelos sistemas: (i) majoritário; e (ii) proporcional, cujas regras estão estabelecidas no art. 29 da Constituição Federal de 1988, Código Eleitoral – Lei nº 4.737/65, bem como legislação do Tribunal Superior Eleitoral.

ELEIÇÃO DE PREFEITO

Os prefeitos são eleitos pelo sistema majoritário, pelo qual, é eleito quem obtiver a maioria dos votos válidos, poderá ser simples ou absoluta, a depender do número de eleitores de cada município.

Nos municípios com menos de 200 mil eleitores o candidato eleito é aquele que obtiver a maioria dos votos válidos, excluem-se nulos e brancos. Essa hipótese é considerada maioria simples.

Já nos municípios com mais de 200 mil eleitores é eleito o candidato que obtiver mais da metade dos votos válidos. Não atingida a maioria absoluta haverá segundo turno.

A título ilustrativo, vejamos uma situação fictícia:

·         Candidato A obteve 48% dos votos;

·         Candidato B obteve 25% dos votos;

·         Candidato C obteve 15% dos votos;

·         Votos nulos: 2%;

·         Votos brancos: 10%;

Nessa hipótese, seria eleito o candidato A por ter superado o somatório dos demais candidatos.

Outra situação fictícia em que não haveria maioria absoluta:

·         Candidato A obteve 35% dos votos;

·         Candidato B obteve 25% dos votos;

·         Candidato C obteve 15% dos votos;

·         Votos nulos: 10%

·         Votos brancos: 15%

Hipótese em que haveria segundo turno por não haver maioria absoluta dos votos válidos.

ELEIÇÃO PARA A CÂMARA DE VEREADORES

A votação para a câmara de vereadores possui cálculos bastante complexos, em que se faz necessário conhecer o “quociente eleitoral” e o “quociente partidário”, para que seja feita a distribuição das vagas.

A eleição se dá pelo sistema proporcional com lista aberta, ou seja, o eleitor vota no candidato, porém, é eleito o candidato mais votado, que ocupará uma das vagas destinadas ao partido. Pode acontecer, inclusive, de o candidato ter votação expressiva e não assumir a vaga, devido ao seu partido não ter atingido o “quociente eleitoral”. Enquanto, outros, que não tenham recebido uma votação expressiva, ocupe a vaga, desde que o partido tenha atingido o “quociente eleitoral”. Aqui para nós, é um sistema um tanto injusto.

CÁLCULO DAS VAGAS

Para calcular as vagas destinadas a cada partido será necessário conhecer QE (quociente eleitoral) e o QP (quociente partidário) de cada partido/coligação.

No cálculo do QE, primeiro, totalizam os votos válidos para vereador; depois, divide-se o total dos votos válidos pelo número de vagas da Câmara.

QE =

nº de todos os votos válidos

nº de vagas

No cálculo do QP, primeiro, totalizam os votos válidos do partido/coligação; depois, divide-se o número dos votos dados ao partido/coligação pelo QE, o resultado é o número de vagas destinadas ao respectivo partido/coligação. É importante ressaltar que nessa divisão a fração será desprezada, conforme determina o art. 107 do Código Eleitoral.

QP   =

nº de votos válidos do partido/coligação

QE

 Atenção: O partido que não atingir o QE (quociente eleitoral) não terá direito a vaga na Câmara, mesmo que algum candidato tenha sido bem votado.

 Vamos a ilustração fictícia:

Suponhamos que no município X o somatório dos votos de todos os candidatos atingiu um total de 4.500 votos válidos (excluídos nulos e brancos), e a Câmara tem 9 vagas. O QE (quociente eleitoral) desse município será igual a 500, pois, 4.500 dividido por 9 é igual a 500.

Agora, suponhamos que existem quatro partidos políticos disputando a eleição no município X:  partidos A, B, C e D.  Ao final, o partido A obteve 2.000 votos; o partido B obteve 1.300 votos; o partido C obteve 800 votos e o partido D obteve 400 votos. Nesse caso, a distribuição das vagas ficaria da seguinte maneira:

·         Partido A: 2.000 dividido por 500 é igual a 4 vagas

·         Partido B: 1.300 dividido por 500 é igual a 2 vagas

·         Partido C: 800 dividido por 500 é igual 1 vaga

·         Partido D: 400 dividido por 500 é igual 0,8 como é menor que 1, fica sem vaga.

Como houve sobra de vagas todos os partidos participantes do processo eleitoral concorrerão às vagas remanescentes (não preenchidas). Essa extensão a todos partidos é fruto da “minirreforma eleitoral de 2017”, antes somente os partidos que teriam obtido o “quociente eleitoral” poderiam participar das chamadas “sobras de vagas”.

 SOBRAS DE VAGAS

As vagas remanescentes, não preenchidas pelo fato de algum partido não atingir o quociente eleitoral, são classificadas como “sobras de vagas”. Essas vagas são disputadas por todos os partidos, serão preenchidas pelo partido que apresentar maior média, a partir da divisão do número de votos pelo número de vagas garantidas ao respectivo partido, acrescido do número 1, conforme ilustrado na simulação a seguir.

CÁLCULO DAS SOBRAS DE VAGAS

O cálculo para o preenchimento das vagas é feito da seguinte forma: o partido/coligação divide o número de votos obtidos pelo número de vagas que o respectivo partido já tem garantido, acrescido de + 1, o resultado de maior média credencia à vaga remanescente.

Simulando o exemplo anterior, teríamos o seguinte:

·         Partido A: 2.000 dividido por (4 + 1) é igual média de 400;

·         Partido B: 1.300 dividido por (2 + 1) é igual média de 433,33

·         Partido C: 800 dividido por (1+1) é igual média de 400

·         Partido D: 400 dividido por (0 +1) é igual media 400

Nessa hipótese, ficaria com a vaga o partido B por ter atingido a maior média. Como não houve uma segunda média maior, o processo será repetido, inclusive com a participação do partido B, entretanto, para este, o divisor passará a ser 4 (3 + 1), até que sejam preenchidas todas as sobras de vagas.

         Média de sobra de vagas =

Nº de votos do partido

Vagas do partido + 1

 É importante ressaltar que o art. 4º da Lei 13.165/2015 assegura que o candidato que obtiver votação individual de no mínimo 10% do QE (quociente eleitoral) terá garantida a concorrência para uma das vagas disponíveis ao partido. Essa tese foi confirmada pelo Supremo Tribunal Federal ao julgar a constitucionalidade do artigo 4º da citada Lei.

Ressalta-se o ganho dessa decisão para o processo eleitoral mais democrático ao evitar que “puxadores de votos” levem às Câmaras de Vereadores candidatos com baixa votação e/ou sem requisito qualitativo para o exercício da função.

VOTOS BRANCOS E NULOS: DESMISTIFICAÇÃO DO MITO

Há falso entendimento de parcela do eleitorado em acreditar que a eleição é anulada, com a convocação de nova eleição, quando os votos nulos e brancos ultrapassarem a 50% do número de eleitores. Isso é mito.

O art. 224, do Código Eleitoral, dispõe de que: Se a nulidade atingir a mais de metade dos votos do pais nas eleições presidenciais, do Estado nas eleições federais e estaduais ou do município nas eleições municipais, julgar-se-ão prejudicadas as demais votações e Tribunal marcará dia para nova eleição dentro do prazo de 20 (vinte) a 40 (quarenta) dias”.

Luciana Andrade Maia, em artigo publicado no “DireitoNet”, faz interpretação da expressão “Se a nulidade atingir mais de metade dos votos (..)”, no sentido de que a lei não se refere a “mais de 50% de votos nulos”, mas no sentido de a nulidade se referir ao processo eleitoral, quando este é contaminado com mais de 50% dos votos. A nulidade está relacionada com “votos comprados, votos dados após o horário da votação, voto de quem não poderia votar, etc. Votos ilegais”.

Portanto, os votos nulos e brancos não entram no cômputo para eleger um candidato. Todavia, se esses votos estiverem dentro da lei, não importa que tenham sido 50% ou mais de votos nulos e/ou branco, não se fala em nulidade da eleição.

Destarte, é importante ressaltar que o número de vereadores por município está previsto no art. 29, IV, da Constituição Federal de 1988. O município até um milhão de habitantes, o número varia entre o mínimo de 9 e o máximo de 21 vereadores; municípios com entre um milhão e cinco milhões de habitantes, o número de vereadores varia de 33 a 41; município com mais de cinco milhões de habitantes o número de vereadores será no mínimo de 42 e no máximo de 55.

Como se observa, o processo eleitoral é complexo e nada de fácil interpretação, o que dificulta um melhor entendimento por parte do eleitorado que, via de regra, ainda carece de melhor   nível de escolaridade que facilite a assimilação/interpretação das regras eleitorais.

Contudo, sabemos que a eleição é um processo democrático de participação na escolha dos representantes para o executivo e legislativo. O eleitor, ao utilizar-se deste instrumento democrático, faz valer sua vontade na escolha daqueles que irão representá-lo. Portanto, a transparência, a confiabilidade, assim como a simplificação dos regramentos, visando facilitar o entendimento do processo como um todo, são de suma importância para o exercício da democracia e aprimoramento do Estado Democrático de Direito.

 



Fontes:

BRASIL. Código Eleitoral. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l4737compilado.htm.Acessado em 09/10/2020.

TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. Diferença entre sistema majoritário e proporcional. Disponível em: https://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2018/Setembro/faltam-11-dias-confira-as-diferencas-entre-os-sistemas-majoritario-e-proporcional. Acesso em 09/10/2020.

_____. Eleições: quantos votos são necessários para eleger um candidato? Disponível em: https://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/6553/Eleicoes-quantos-votos-sao-necessarios-para-eleger-um-candidato. Acesso em 09/10/2020.

CNJ. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/cnj-servico-saiba-a-diferenca-do-sistema-majoritario-e-proporcional/.Acesso em 10/10/2020.

_____.Consultor Jurídico. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-mar-04/supremo-mantem-regra-suprime-puxadores-votos. Acesso em 09/10/2020.

 

 

0 comentários

Aposentadoria por incapacidade permanente

A Nova Previdência, como ficou conhecida, após a reforma com a aprovação da Emenda Constitucional 103, publicada em 13 de novembro de 2019, trouxe muitas mudanças para o nosso sistema previdenciário como um todo, desde os novos critérios para a aposentadoria, como para outros benefícios, tais como o “auxílio-doença”, que passou a ser “auxílio por incapacidade temporária”, e o “auxílio invalidez”, agora, “Aposentadoria por Incapacidade Permanente”. Saiba mais clicando aqui




0 comentários

Função social da cidade

















Os grandes centros urbanos surgem a partir da revolução industrial como um fenômeno da modernidade do século XX. As grandes aglomerações urbanas, geograficamente estratégicas para atender às demandas advindas do novo modelo capitalista que se desenhava, foram dispostas para facilitar a operacionalização do sistema no deslocamento das pessoas para os seus postos de trabalho, bem como ponto de integração dos mercados comerciais e logísticas de serviços e comunicações.

A cidade tem sido objeto de discussão em diversos setores da sociedade, no que tange ao direito do espaço público voltado para proporcionar segurança, qualidade de vida e sociabilidade. É um tema que suscita análises controvérsias, presente no contexto socioeconômico e político sob a égide do sistema capitalista.

A cidade não representa efetivamente o espaço público onde as pessoas possam estabelecer relações sociais de solidariedade recíproca; o espaço onde a convivência possa desenvolver-se na construção de relações afetivas entre os diversos e diferentes núcleos humanos, tornou-se um lugar onde as pessoas formam seus "nichos" sociais, distanciando cada vez mais umas das outras, criando seus próprios mundos de subjetividades.

Diante desse despertar curioso, resolvi trazer para análise reflexiva alguns aspectos que desmontam a ilusão de que a cidade, criada no mundo dos sonhos, seja possível de ser materializada. 

UM OLHAR CONTEMPLATIVO CRÍTICO

Quando ando pela cidade tenho um olhar atento às belezas e contradições que configuram a sua arquitetura topográfica. É na cidade que se vive, portanto, conhecer o que ela nos oferece ou deixa de oferecer é importante para entender como desenvolve a vida dentro da complexidade urbana.

Os passeios pela cidade despertam-me um olhar curioso para os traços arquitetônicos dos monumentos históricos e as construções modernas, criadas pela inteligência e criatividade da engenharia e da arquitetura; praças, ruas e avenidas, tudo isso forma o conjunto urbano, onde passado e presente se misturam projetando uma paisagem urbanística de contornos futurísticos.

 

A vida na cidade, especialmente no nosso país, tem ficado cada vez mais difícil em razão do desencontro que se verifica na maneira como a cidade é governada e os reais interesses de seus cidadãos. É perceptível que o gerenciamento das políticas públicas continua carregado da herança histórica, em que as decisões de governo são tomadas a partir de concepções tecnocráticas influenciadas pelos interesses privados, sem considerar a participação dos cidadãos, principais agentes do processo de formação dos espaços urbanos. Essa desconexão faz com que não sejam capturadas as reais necessidades para tornar a cidade um instrumento de integração social.

 

Percebo que as políticas públicas que deveriam ter como fim precípuo o bem-estar dos cidadãos, infelizmente, continuam privilegiando os interesses privados. É um problema de ordem complexa em que a possível solução esteja no estímulo ao exercício da política participativa, com afirmação dos direitos de cidadania, que possa, através de força normativa, exigir dos governantes a obrigatoriedade de incluir os concelhos comunitários nas decisões que impactam nos destinos da cidade.

 

A política urbana tem suas diretrizes estabelecidas no "Estatuto da Cidade" - Lei 10.257/2001 - que afirma que o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e a garantia do bem-estar de seus habitantes, de maneira ordenada, é objetivo do Poder Público Municipal, essas diretrizes gerais estão esposadas no artigo 182 da Lei acima mencionada, que, embora estejam instrumentalizadas nos Planos Diretores de Desenvolvimento Urbanos das cidades brasileiras, infelizmente, não são colocadas em prática. Diante disso, somente a população de forma organizada pode pressionar os gestores públicos no cumprimento de tais diretrizes.


CIDADE MAIS DE NEGÓCIOS E MENOS DE DIREITOS 



As grandes cidades, em sua maioria, tornaram-se mais de negócios e menos de direitos, isso em consequência de como são administrados esses centros urbanos. A implementação das políticas públicas, geralmente, cria uma inversão nos direitos dos cidadãos para atender interesses do capital privado.

DANIELLE KLINTOWITZ[2] tem um entendimento de que apesar de os projetos e planejamentos terem como metas os interesses dos cidadãos, a execução desses projetos é desviada para atender interesses outros diferentes daqueles que a cidade necessita (argumentos dos quais compartilho integralmente). Isso ocorre porque os recursos públicos são escassos para implementarem a transformação da cidade em curto tempo, no sentido de que possa ser usufruída por todos. Porquanto as escolhas entre o bom planejamento das políticas públicas e a execução destas recaem sempre na escolha do capital privado, colocando os interesses do cidadão em segundo plano. Todos esses fatores atuam diretamente numa problemática estruturante que gera desagregação e segregação social, retirando da cidade a concepção de espaço sinérgico para construção de relações afetivas e reciprocamente solidárias.


PRIVATIZAÇÃO DOS ESPAÇOS PÚBLICOS



É fácil observar que nas últimas décadas ocorreu acelerado processo de privatização de muitos espaços e serviços públicos em Salvador, quer de forma voluntária ou involuntária, que trouxe impactos na qualidade de vida das pessoas. Isso em consequência do avanço do capital privado que se deu principalmente na mobilidade e no uso do solo urbano.

O transporte de qualidade voltado às massas cedeu lugar ao transporte clandestino precário, carente de conforto e segurança, expondo cotidianamente os usuários ao risco de vida.

 

O uso do solo urbano, um tema complexo, em regra, é explorado para construções de corporações de interesses capitalistas. Basta olhar para os “Shoppings Centers", lojas de revendas de automóveis, supermercados, postos de gasolina com suas lojas de conveniência, os grandes condomínios localizados em pontos estratégicos da cidade, etc. Esses empreendimentos, à primeira vista, trazem a sensação de conforto e melhoria da qualidade de vida, entretanto, de maneira subjacente, causam efeitos contrários, além de desconfiguração do paisagismo urbano. 

 


Outro ponto de reflexão é sobre o metrô e o BRT. Esses modais de transporte urbano poderiam ter sido construídos com menor custo financeiro e menos agressão ao meio ambiente. A construção dessas obras é uma demonstração cabal de como os recursos públicos são utilizados visando interesses privados. Soma-se a isso os grandes estacionamentos destinados à exploração pela iniciativa privada, as vias expressas, algumas, inclusive, com pedágio, tudo isso surgiu com o discurso da melhoria da qualidade do serviço que, muitas vezes, não corresponde à realidade fática. 

 

 ABANDONO DO CENTRO DA CIDADE

O centro da cidade perdeu o atrativo como opção de lazer e moradia, tornando-se um espaço quase que exclusivamente voltado para o comércio formal e informal. Esse local da cidade foi, com o tempo, perdendo gradualmente as instalações, outrora, voltadas para a educação, o lazer, a cultura, a gastronomia, etc. Escolas, faculdades, cursos para diversas áreas do conhecimento, cinema, clínicas médicas e odontológicas, escritórios de serviços, casas de "show", restaurantes, etc. que ali se encontravam, não mais existem, ou pouco existe. Esses serviços, na sua maioria, migraram para outras áreas da cidade, onde se concentra a população com maior poder aquisitivo.

 

O poder público, com raras exceções, deixou de ser o fomentador do desenvolvimento do centro antigo da cidade, relocou, dessa área, diversos órgãos públicos que ali se encontravam instalados; desfez de instalações imobiliárias para construção de empreendimentos de interesse da iniciativa privada, muitas vezes, sem contrapartida que garante geração de renda e oportunidades, importantes para a conservação desse espaço da cidade.

 

Um exemplo recente é a venda do colégio Odorico Tavares, situado no corredor da Vitória, um espaço público que há anos se tornou referência na área de educação e instrumento público de integração de classes sociais. Ali, provavelmente, surgirá um empreendimento residencial, ou a conjugação desses dois interesses, criando com isso mais segregação social ao eliminar a oportunidade dos alunos de famílias de baixa renda, que vivem nos bairros circunvizinhos, de usufruir de uma escola pública centralizada, ao serem empurrados para outras regiões periféricas da cidade.

 

Essa lógica que inverte o interesse público em detrimento do capital privado trouxe para o centro um comportamento contraditório, porém explicado pelos princípios do capitalismo. No decorrer da semana, durante o dia, o centro da cidade é um local comercial. Porém ao cair da noite, sobram os moradores de rua e usuários de drogas que circulam pelas praças e ruas, ou ficam deitados  nos passeios, sob as marquises para se  protegerem do sol, chuva, sereno e do frio, expondo o retrato de um sistema urbano em falência.

Essa realidade só  será revertida com a participação efetiva da população nos destinos da cidade. Para isso, será necessário a criação de canais de interlocução que estimulem maior participação das pessoas no processo político, através dos Concelhos Comunitários, Prefeituras de bairros, bem como outras organizações comunitárias, no sentido de que se tenha uma cidade mais equilibrada, onde todos possam usufruir dos benefícios e participar dos instrumentos que a cidade deve oferecer a seus cidadãos.


SEGREGAÇÃO DAS PERIFERIAS


As periferias constituem a extensão territorial e cultural dos centros urbanos. Nelas moram milhares de pessoas que cotidianamente inter-relacionam com os moradores da parte central da cidade. São os prestadores de serviços estudantes, profissionais liberais, artistas, professores, artesãos, etc. que mantém conectividade socioeconômica e política, integrando a cidade na sua totalidade.

Essas áreas afastadas dos núcleos urbanos carecem de maior atenção por parte do poder público, no sentido da execução de projetos de infraestrutura, saneamento, incentivo a geração de emprego e renda, fim compensar as mazelas impostas à população, decorrentes do sistema capitalista perverso.

 

De vez em quando, ando pela periferia para sentir o pulsar da vida nas comunidades dos bairros periféricos. Vou a Piripiri, Paripe, às vezes, à praia de São Tomé, de onde se tem uma das mais belas vistas da cidade do Salvador. Nessas andanças é fácil perceber o tamanho da desigualdade da cidade e o quanto as pessoas são vítimas de um sistema cruel que, ao tempo em que produz riqueza em ponta, gera miséria na outra. Por isso se torna imprescindível a presença do Estado para promover o desenvolvimento d as comunidades periféricas à cidade.


JORGE ABRAHÃO diz ficar assustado de como um país tão rico possa ter uma desigualdade tão grande. Afirma ainda que o que mais  lhe incomoda é perceber que a desigualdade é um processo que vem se acumulando há muito tempo. Para ele, é muito claro que a raiz do problema está na alta concentração de rendas, tese, obviamente, mais que evidente. Basta que se preste atenção para aonde os governos estão direcionando os recursos públicos e quais as prioridades estabelecidas por estes agentes públicos.


A cidade deve ser um espaço de todos e para todos. O sentimento de inclusão e pertencimento da cidade deve estar no comportamento individual e coletivo de toda população urbana, bem como na sua formação cultural. O poder público tem função preponderante no engendramento de ações que visem a integração de obras de infraestrutura para a mobilidade mais eficiente, saneamento básico, saúde, educação, segurança, etc.

 

Nesse sentido, salvador nas últimas décadas deu passos significantes para a integração dos bairros periféricos com o conjunto da cidade. A construção de grandes avenidas, vias expressas e melhorias no transporte de massas por meio do metrô criaram condições para melhorar a integração da cidade. Porém ainda há muito a fazer para atingir os níveis mínimos que caracterizam a cidade como espaço urbano de integração de coletividade e integração social.


CONCLUSÃO

O sentimento e impressões externadas ao longo do texto me convenceram de que uma cidade para se tornar um lugar de bem-estar social é preciso definir as suas prioridades com foco no interesse coletivo. A execução  das políticas públicas, embora não tenha que desassociar do capital privado, não pode permitir a interferência deste nas prioridades das políticas urbanas.

Outro aspecto relevante é a captação de maior volume de recursos para a implementação das políticas de inclusão social, sem deixar de pensar na participação da sociedade no gerenciamento dos recursos direcionados às obras destinadas ao desenvolvimento urbano.

 

Certamente para se ter maior volume de recursos públicos para investir na qualidade de vida dos moradores da cidade seria necessária uma reforma política que desse mais autonomia aos municípios para captação e gerenciamento dos recursos. Isso requer maior participação política da sociedade na escolha de seus legítimos representantes e a cobrança no sentido do cumprimento das suas funções públicas.


Referências:
[1]__Lei 10.257/2001 Estatuto da Cidade. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10257.htm. Acessado em 20/05/2020 
[2]__Coordenadora de Projetos de Urbanismo do Instituto Pólis.
[3] __Coordenador-geral do Programa Cidades Sustentáveis e integrante do Grupo de Trabalho da Sociedade Civil para Agenda 2030 - IEA USP

JMiguel
1 comentários

A força da Líder solitária

No início era uma família de leões constituída pela Leoa-mãe, pelo Leão-pai e pelos três filhos, dois leõezinhos e uma leoazinha que viviam em plena harmonia no seu território de domínio. Havia uma clareira por onde passava o riacho que servia de bebedouro para as várias espécies de animais. Nessa clareira os dominadores faziam campana para abater suas prezas.

Não obstante, aparece um bando invasor formado por várias leoas e dois leões, respeitáveis pelas suas jubas imponentes, que faziam a proteção do bando. As leoas tinham sua líder. Eles chegaram no território para expulsar os donos - na selva o espaço para manter a sobrevivência é feito por domínio de área, aqueles que detém maior poder tornam-se os novos donos de antigos domínios.

A chegada do bando invasor provocou uma luta sangrenta, porém inevitável. A família que dominava a área era menor e não oferecia tanta resistência para o bando invasor, este bem mais numeroso. Mas a defesa do território era uma questão de sobrevivência daquela família de leões.

Enquanto os filhos estavam escondidos em local seguro, seus pais, a Leoa-mãe e o Leão-pai, lutavam bravamente contra os invasores. Depois de horas de luta, o  bando invasor saiu vencedor, como era de se esperar, deixando como saldo o Leão-pai gravemente ferido, a Leoa-mãe atordoada por ter perdido sua área de domínio, e a líder do bando invasor com o olho direito vazado no combate. Ficou definitivamente cega.

Quando o invasor ganha a luta para ter o domínio territorial, não resta alternativa para o vencido senão juntar os trapos e "deitar o cabelo". Foi exatamente isso que a Leoa-mãe fez, pegou seus três filhos, deixando o Leão-pai para trás, pois ali jaz seu destino.

Na fuga intempestiva, "Majhtawn" - esse é o codinome da Leoa-mãe - com seus três filhos foi perseguida impiedosamente. Enfrentou uma tempestade, além de um incêndio na floresta causado pelos raios que riscavam o céu escuro. A floresta densa tinha uma vegetação rasteira tipo capinzal que criava as condições propícias para a propagação do fogo.

"Majhtawn" corria desesperadamente para se livrar da fúria de seus algozes, ao mesmo tempo em que tinha de livrar seus filhos das chamas avassaladoras do fogo; de vez em quando, o leãozinho mais fraco ficava para trás, o que tornava a fuga menos rápido, pois "Majhtawn" precisava retornar para apanhar o filhote que não conseguia acompanhar. A essa altura o Leão-pai encontrava-se agonizando, dando os últimos suspiros que o levaria ao banquete das hienas carniceiras que estavam de olho no moribundo.

O bando invasor, na liderança de "Olho de Prata" - esse é o codinome da líder, por ter perdido um olho na luta - seguia na perseguição a "Majhtawn", talvez, não com o instinto assassino, mas o  de o bando se livrar de "Majhtawn".

Após horas de perseguição, "Majhtawn" se depara às margens do Rio de Águas Escuras, exausta, descansa um pouco e aproveita para fazer um carinho nos filhos; olha para trás e vê ao longe que o bando de "Olho de Prata" continuava no seu encalço. Não teve dúvida de que seus algozes não iriam desistir da perseguição. Sabia que sua única chance de sobrevivência seria do outro lado do Rio de Águas Escuras, mas aí surge o primeiro desafio, como enfrentar um rio povoado de crocodilos, além de não ter intimidade com águas profundas? O risco de serem devorados pelos crocodilos era potencialmente grande.

Quando o desafio é grande, a vontade de vencer deve ser maior que o medo de enfrentar.  Diante da iminência de outro ataque de "Olho de Prata", cujas chances de sobreviver seriam praticamente impossíveis, e arriscar a sobrevivência do outro lado do Rio de Águas Escuras, "Majhtawn" não teve dúvidas, lançou-se à sorte demonstrando para os filhos que aquela seria a única opção. Seguindo os passos da mãe, o Leãozinho mais forte se jogou na água, em seguida foi a vez de sua irmã, a Leoazinha, ficando para trás o Leãozinho mais frágil, este ficou com medo de entrar no rio, mas com aproximação de "Olho de Prata", foi empurrado instintivamente para a água, só que em situação desfavorável, pois sua mãe e os seus irmãos já se encontravam na outra margem.

Logo que o Leãozinho entrou na água os crocodilos perceberam que havia uma preza desprotegida e não titubearam em atacá-lo. Da outra margem do rio "Majhtawn" assistia ao fim trágico do seu filho sendo devorado pelos crocodilos, aquela cena registrava a perda de parte de sua vida, enquanto, ao mesmo tempo, observava "Olho de Prata" na outra margem do rio sentindo-se vigorosa pela conquista do território. 

Apesar da perda de um filho, "Majhtawn" pode, enfim, sentir-se aliviada e segura para dar proteção aos outros dois filhos sobreviventes.  A nova área tornar-se-ia um lugar seguro, haja vista não haver sinais de dominadores que pudessem atrapalhar seus planos. Era uma área relativamente pequena para domínio de leões, mas promissora, pois, a partir daquele momento passaria a ter o domínio do seu próprio território.

Após as devidas observações e reconhecimento da área, "Majhtawn" buscou o merecido descanso, procurando recompor suas energias para recomeçar as buscas por alimento da família. Mas como fazer isso, se no primeiro momento não parecia haver nada de interessante para caçar? Porém "Majhtawn" com seu faro aguçado e visão afinada, percebe logo que ao longe havia algo interessante: uma manada de búfalos pastava nas pradarias próximas às margens do Rio de Águas Escuras. Nesse instante "Majhtawn" sentiu que a refeição da família estava garantida, porém antes teria de proteger os filhos da fúria dos búfalos. Búfalos detestam leões, o que é lógico, todo búfalo sabe que qualquer vacilo em território de leões pode virar bife desses caçadores vorazes.

As energias armazenadas já estavam no fim e "Majhtawn" sentia que precisava caçar o mais urgente possível para manter a família viva. Mas os filhos, que estavam muito novos, passavam o tempo brincando e, muitas vezes, se expondo demasiadamente ao perigo, o que deixava "Majhtawn" insegura. Abater um búfalo pequeno ou um mais vulnerável seria a melhor estratégia, "Majhtawn" tinha consciência de suas limitações, não havia quem lhe auxiliasse numa empreitada mais ousada. Ademais, búfalos são prezas de grande porte, defendem em grupo, e podem levar o predador a morte.

"Majhtawn" começou a seguir o rebanho observando seu comportamento, fim estabelecer estratégias para dar o bote certo, na preza certa, no momento certo. "Majhtawn" sabia que estava sozinha nessa luta, portanto tornava muito mais difícil abater um búfalo. Na primeira tentativa, avançou sobre um filhote chegando ao ponto de derrubá-lo ao chão, mas sua mãe percebeu o ataque de imediato e voltou com toda fúria contra "Majhtawn". Todas as tentativas nesse dia foram infrutíferas. "Majhtawn", então, desiste da empreitada, adiando a necessidade de se alimentar.

Os búfalos pressentem quando o inimigo os persegue diuturnamente. "Majhtawn" seguia o rebanho na confiança de que em algum momento sua empreitada seria bem-sucedida. Mas, como a ambição não tem limites, os búfalos que compartilhavam a mesma área de domínio de "Majhtawn", despertaram a atenção do bando de "Olho de Prata" na outra margem do Rio de Águas Escuras. "Olho de Prata", então, movida pelo desejo ambicioso, juntou seu bando e atravessou o Rio de Águas Escuras povoado de crocodilos para caçar na outra margem, cujo domínio é de "Majhtawn", provocando uma nova invasão de território.

"Majhtawn" percebe o perigo, principalmente para seus filhos, e sente-se sua própria sobrevivência ameaçada. Diante da iminência do perigo, "Majhtawn" parte para cima do bando de "Olho de Prata" e luta ferozmente na defesa de seu território. "Olho de Prata", uma líder experiente, conhecia o potencial da adversária, pois, havia sido vítima dela ao perder um olho na luta sangrenta, quando da invasão que expulsou "Majhtawn" do seu território. Enquanto "Majhtawn" lutava incansavelmente, seus filhos observavam de longe, de onde se encontravam em um esconderijo para não serem assassinados pelo bando de "Olho de Prata". Depois de um embate duro "Olho de Prata" deu-se por vencida, reconhecendo o poder de liderança de "Majhtawn", retirou-se em fuga com suas comparsas.

De repente os búfalos se aglomeram no meio do pantanal, "Majhtawn"percebe que a melhor estratégia para abater um búfalo é na água, mas para tanto era preciso criar um pânico no rebanho, com isso os mais fracos ficariam vulneráveis a um ataque fulminante. A essa altura "Majhtawn"já se sentia confiante em caçar dentro d'água, a vida tinha lhe ensinado a se desvencilhar das armadilhas que os rios escondem; já tinha aprendido, inclusive, as manhas para se livrar de crocodilos assassinos.

Experiências são conhecimentos consolidados ao longo do tempo e servem como escudo para enfrentar situações adversas. No primeiro ataque na água, por pouco um búfalo de grande porte não foi abatido, salvou-se devido ajuda do grupo. "Majhtawn" não desiste e faz uma incursão proposital  para criar um pânico, o que deixou todo o rebanho desorientado, quando um búfalo de pequeno porte ficou vulnerável ao ataque, então, "Majhtawn" deu o bote mortal cravando seus dentes afiados na traqueia do pequeno desprotegido.

No entorno das áreas dominada por leões sempre ficam os carniceiros oportunistas aguardando o momento para roubarem o objeto da caça. As hienas são carnívoras que vivem, geralmente, de  roubar a caça de outros caçadores. Só houve tempo de "Majhtawn" dar as primeiras dentadas na carne ainda quente para que as hienas aparecessem e lhe tomassem a preza que havia abatido depois de tantos sacrifícios. Não teve luta certa, as carniceiras escorraçaram "Majhtawn" que se retirou desolada por não poder alimentar os filhos, mas aliviada por ter comido alguma coisa o que garantia o leite dos leõezinhos.

Porém os problemas de "Majhtawn" não acabaram aí,  pelo contrário, acabava de nascer um enorme problema, o risco de as hienas atacarem seus filhos. Leão não é presa de hienas, mas num cenário de comida escassa termina sendo. As hienas sabiam que "Majhtawn" teria de sair para caçar e iria deixar seus filhos à própria sorte. Numa saída para tentar nova investida contra os búfalos,"Majhtawn"deixou os filhos num esconderijo para livra dos ataques das hienas;  a necessidade de alimentar era tão imperiosa que não sair para caçar seria decretar a morte da família em pouco tempo. Ocorre que os búfalos pressentiram a presença dos leõezinhos entocados num arbusto e começaram atacá-los, porém o pior ficou por conta do ataque das hienas que por pouco não devoraram os filhos de "Majhtawn", devido seu instinto materno dar o sinal de alerta, o que fez ela desistir da caçada para salvar os filhos das garras das hienas. Porém não evitou que a leoazinha tivesse a coluna fraturada pela mordida de uma hiena, o que lhe causou uma sequela irreversível, impossibilitando-a de seguir adiante com sua mãe na luta pela sobrevivência na selva.

No meio do turbilhão de ataques ferozes, "Majhtawn" conseguiu livrar-se das hienas, mas não encontrou o filho, provavelmente tinha sido morto no ataque dos búfalos, pois, pressentiu o sangue que havia no chifre de um deles. "Majhtawn" sentiu o mundo desabar; sentou às margens do Rio de Águas Escuras, emitiu um olhar triste, fechou os olhos como se estivesse se redimindo do próprio destino, em seguida, olhou para a sua filha que pedia socorro rastejando com a coluna quebrada, o que lhe impedia de continuar na sua companhia; seu outro filho teria sido morto por um búfalo raivoso, então, sentiu que estava sozinha e precisava recomeçar tudo de novo, entrou no rio de coração partido para continuar a caminhada, deixando para trás a filha entre a vida e a morte. A vida selvagem tem sua seleção natural, sobrevivem os mais fortes, enquanto os mais fracos se transformam para dar continuidade a cadeia alimentar.

Os búfalos se encontravam pastando na outra margem do rio. "Majhtawn" chegando aí, ainda abalada pelas perdas e traumas que a vida lhe impôs, não deixou se abater e partiu para mais um ataque a manada, buscava o alimento que lhe manteria viva. Suas energias estavam chegando no limite. Muito embora o ataque tenha sido frustrado, não fez com que "Majhtawn" desistisse, precisava sobreviver para dar  continuidade a sua linhagem genética. De repente "Majhtawn" estava junto do bando de "Olho de Prata" lutando pelos mesmos propósitos. "Olho de Prata" sabedora da experiência e liderança de "Majhtawn" uniu-se a ela para ter sucesso na caçada.

"Majhtawn" fez uma investida a um búfalo desgarrado do rebanho com a cooperação do bando de "Olho de Prata". Esta sabia que "Majhtawn" era uma exímia caçadora e possuía um poder de liderança incontestável. O bando de "Olho de Prata" associou-se à "Majhtawn" e começaram a fazer as investidas para abater búfalos em parceria; em uma investida bem-sucedida, em que foi abatido um búfalo de grande porte, no momento em que o bando se preparava para banquetear, "Majhtawn" foi acometida de um sentimento maternal, quando seu instinto detectou um chamado familiar. Ao olhar em direção viu um leãozinho que miava gritando por socorro. "Majhtawn" correu ao encontro e a alegria foi imensa ao perceber que era o seu filho que havia desaparecido e já o tinha dado como morto. A felicidade era visível nos olhos de "Majhtawn". Nesse momento "Majhtawn" instintivamente voltou para "Olho de Prata" pedindo para que seu filho fosse aceite no grupo, "Olho de Prata", num gesto receptivo, lambeu o rosto de "Majhtawn" e esta retribuiu com o mesmo gesto.     
A partir de então "Majhtawn" foi integrada ao grupo com seu filho, tornando-se mais forte e mais preparados para enfrentar os desafios da selva.

A paz sempre vence a guerra. Quando a paz se estabelece o inimigo desaparece, os oponentes se unem, tornando-se mais fortes, ampliando os domínios para criar oportunidades, onde cada um usufruirá do resultado do esforço desencadeado em conjunto na busca da sobrevivência de todos.


JMiguel 

Texto adaptado de ftos reais do filme Leões de Okavango (filme da National Geographic). Disponível em:https://www.google.com/search?q=Le%C3%B5es+de+Okavango&oq=Le%C3%B5es+de+Okavango&aqs=chrome..69i57j46j0l5j69i60.7833j0j9&sourceid=chrome&ie=UTF-8. Acessado em 28/04/2020.
0 comentários

.

 
"
Design: Jmiguel | Tecnologia do Blogger | Todos os direitos reservados ©2012
"