O silêncio ensurdecedor
das noites frias do Quebra me inspira para a imaginação transcendental.
O silêncio ensurdecedor das noites frias do Quebra me inspira para a imaginação transcendental. Aqui vivi a criança que fazia seu próprio brinquedo; uma meia velha se transformava em bola, o caminhão (brinquedo predileto) era feito de madeira, as gaiolas eram feitas de piteiras, e o mundéu, o alçapão, a arapuca e tantas outras armadilhas eram o desespero ou sentença de morte de tantas espécies de aves e animais que por aqui não existem mais. A escola surgiu aos dez anos, quando comecei no “Colégio Estadual de Lagoa Clara - Manoel Messias” no ABC para conhecer as primeiras letras do alfabeto.
Os primeiros sonhos só apareceram nos anos seguintes, pois, até então, meu mundo se resumia àqueles espaços onde eu desenvolvia as brincadeiras de criança, jogando birosca com bola de gude, subindo em árvores, brincando de cambota na areia, pulando cercas e tantas outras peripécias das crianças daquela época.
Mas, como a vida é construída de sonhos e emoções, com o passar do tempo surge o primeiro sonho: ser professor. Sonho este que, ocasionalmente, acende uma penumbra no meu subconsciente. Mas, por enquanto, esse sonho continua adormecido.
Ao longo desse tempo já vivido, a vida me levou para outros caminhos. Às vezes, os caminhos que os sonhos nos indicam são diferentes daqueles que a realidade nos impõe.
Porém, quando estou aqui, neste recanto friorento, sentindo o “presente” e agradecendo o “passado”, retorno para mim e reencontro-me comigo mesmo. As lembranças revigoram as minhas forças, alimentam a minha alma e fortalecem o meu espírito numa dimensão transcendental em que a reflexão me conduz a um estágio onde a razão se confunde com a emoção. Aqui consigo me aproximar do “Sagrado” ao contemplar o céu estrelado em uma noite de lua cheia; sinto o cheiro do campo perfumado pelas flores na transmutação para a renovação da vida. Ao amanhecer, aprecio o canto dos pássaros bem pertinho da janela do meu quarto, uma dádiva que chamo de presente. Aqui, o tempo passa mais devagar e desincumbido de que o hoje tem de ser o espelho do amanhã.
Aqui, o tempo é aliado e não adversário; por isso, não preciso concorrer nem fugir dele. Pelo contrário, ele me fortalece à medida que me reconcilio com ele.
Nas caminhadas matinais, assim como nas noites estreladas, sinto a brisa refrescar o meu rosto como a mão de uma mãe que suavemente acaricia o filho em um gesto de amor e proteção.
Aqui, contemplo a "Mãe Natureza" com um olhar reflexivo, valorizando cada detalhe da obra do Criador, observando cada canto e encanto, submerjo dos ensinamentos para compreender a complexidade do mundo real.
Aqui, sinto-me menos máquina e mais humano, menos escravo e mais livre, menos alienado e mais criativo.
Aqui, construo reconstruindo o meu SER; cresço enquanto me torno pequeno; me humanizo sendo menos desumano. Enfim, me transformo para que a transformação seja refletida no outro.
Quebra 25/06/2018 às 23h45 minutos
JMiguel